1. Tinta de gravura sobre impressões em goma bicromatada, papel de algodão 20 x 28.5 cm (5x)
2. Impressões em cianotipia, papel sumi-e, caixas de luz, sensor de movimento 40 x 40 cm (2x)
3. Impressões Van Dyck Brown, papel de algodão 15 x 20 cm (4x) , 20 x 30 cm (2x), 30 x 40 cm (1x) 
4. Projetor de filme, filme com 60 fotogramas a preto e branco impressos em transparência, formato não estandardizado
5. Viewmaster, 7 diapositivos duplos a cores, 11 x 12 mm
6. Visualizador de diapositivos, 11 diapositivos a preto e branco, formato 135
Álbum de impressões Biblioteca das Imagens Não Vistas
I. tinta de gravura sobre impressão em goma bicromatada em papel Arches Platine 100% algodão
II. impressão em Van Dyck Brown sobre papel Hahnemühle Cézanne 100% algodão 300 g/m2
III. Impressão em cianotipia sobre papel Hahnemühle Sumi-e, 80 g/m2
impresso e encadernado à mão | edição de 13 exemplares + 3 provas de autor
preço: € 60 (para comprar, contactar geral@imagerieonline.com)
Biblioteca das Imagens Não Vistas
A Biblioteca das Imagens Não Vistas é uma exposição dos fotógrafos José Domingos, Magda Fernandes e Sofia Berberan que parte de materiais fotográficos e objetos do espólio familiar de cada um dos intervenientes (fotografias, documentos de identidade, um “fonopostal” em vinil e objetos de contacto com o corpo, como navalhas de barbear).
Ao pensar numa Biblioteca, logo imaginamos um lugar de consulta, onde ao manusear um livro, eventualmente com outros à volta, escolho entre vários que ali estão e que não toco, que não consultarei, não vejo, cuja existência muito provavelmente até ignoro. No entanto, a biblioteca existe como lugar que me possibilita a proximidade com todos aqueles volumes e documentos presentes no espaço que ocupa.
Para facilitar a consulta, as bibliotecas costumam ter um catálogo disponível para nos orientar nas nossas pesquisas, e uma cota para identificar qualquer objeto que a esta catalogação pertença. A Biblioteca das Imagens Não Vistas, de alguma maneira, parece reverter, ou questionar a própria ideia de identificação, transformando-se numa espécie de arquivo de não-identificação. Apenas vemos, mas não conseguimos identificar claramente rostos, fisionomias, identidades presentes nas imagens mostradas.
Esta negação de identidade, ora apagada, ora escurecida, ora intermitente dos sujeitos fotografados, é também um gesto intencional dos três sujeitos autores destas imagens, que não se dão a reconhecer. A noção de autoria é questionada por um lado através da apropriação de imagens de arquivo, e conseguinte manipulação que as torna irreconhecíveis, proporcionando outras leituras, por outro através da falta de identificação dos autores, quase sem podermos reconhecer os limites onde começa e acaba o trabalho de cada um. Contudo, trata-se de subjetividades distintas, que apontam para histórias diferentes e únicas, tal como convidam a experienciar de maneira única e pessoal a visão e perceção destes trabalhos. No entanto, esta experiência íntima de fruição das imagens é enriquecida na interação entre os visitantes, cuja presença pode momentaneamente apagar e escurecer algumas das imagens expostas, apelando para um tipo de experiência muito mais abrangente do que apenas visual.
E enquanto a imagem é apagada, temos a oportunidade de ver de novo, lentamente, visualmente e coreograficamente. Há uma performatividade que nos convida a ver com os olhos, com as mãos e com o nosso próprio corpo em andamento. Para a frente e para trás, à direita e à esquerda. E o que vemos neste passo, já não será visível no seguinte e assim sucessivamente. A Biblioteca das Imagens Não Vistas torna-se assim um ritmo que marca o tempo dos nossos passos, do nosso olhar, do tocar e manipular os objetos que outras imagens têm para nos revelar.
O filósofo Paolo Virno no seu “Ensaio sobre a negação”, afirma que «a negação é uma função que pertence em exclusivo à atividade verbal» (P. Virno, Saggio sulla negazione, Torino: Bollati Boringhieri, 2013: 16). Por outras palavras, a negação pode existir apenas enquanto palavra, e não materialmente, não no mundo sensível. Deste modo, posso dizer não, mas não posso dar uma forma física à negação que estou a pronunciar. Logo, reparamos como a fotografia, nas suas vertentes técnicas analógicas, até no próprio significado da palavra negativo, questiona a negação na sua materialidade. Deixando-nos levar pela operação que os autores nos apresentam, podemos notar como o paradoxo do negativo é levado quase ao extremo. Negando a imagem de arquivo na sua legibilidade mais imediata, levando-nos a ver de maneira multissensorial.
O desafio a que Biblioteca das Imagens Não Vistas se propõe é de não deixar ver as imagens. Abdicando da temporalidade instantânea e de consumo imediato dos meios digitais e das suas plataformas de partilha, pede-nos tempo. Apela a uma pausa, veiculada por imagens analógicas que evocam memórias, emoções e nos obrigam a parar, dilatando o tempo, à medida que as nossas pupilas se dilatam na escuridão do espaço expositivo onde acabamos de entrar.
Um jogo, uma dança entre revelar e esconder. E seguindo os passos desta coreografia livre, feita de movimentos pessoais, cada um de nós faz uma própria experiência de visão à medida que atravessa o espaço da exposição.
O paradoxo do apagar, que produz o efeito de salientar, de destacar, permite-nos ver de uma maneira íntima, emocional, afetiva, mesmo sem termos nenhuma relação de proximidade com os sujeitos apresentados. Esta intimidade é proporcionada pela penumbra, pelo contacto com os objetos (um “viewmaster”, um projetor operado manualmente e um visualizador de diapositivos manual). E, de repente, o que não se vê aparece quase como se fosse uma imagem criada pelos olhos de quem observa como visitante de passagem e não por quem fotografou e manipulou estas mesmas imagens.Tanto a apropriação das imagens de arquivo, como a revelação dos autores, que se dão a ver enquanto procuram habitar aquelas memórias, contribuem para preencher as frestas entre a narrativa do passado e a sua reativação no presente, na criação das imagens que vemos quando interagimos com os objetos. Deste modo, a Biblioteca das Imagens Não Vistas conduz-nos por caminhos liminares onde as imagens “encontradas” e as novas imagens que nestas se inspiram (e de algum modo incorporam) constroem narrativas onde os contornos entre realidade e ficção se desvanecem. 

Vanessa Badagliacca

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